segunda-feira, 13 de julho de 2009

Intimidade no Nextell

A mulher está ao Nextell e o volume da coisa é tal que vence o barulho do trânsito para quem passa tomar ciência da conversa.

Somos informados que uma colega de trabalho de ambas quer ganhar sem trabalhar, tem histórico de roubo na tesouraria e persegue as duas no escritório. É mais um capítulo do inferno astral da interlocutora, que anuncia à amiga de Nextell: “meu marido ficou brocha”.

Fosse há vinte anos e talvez não merecêssemos ouvir tal inconveniência – não a do diálogo de fofoca, mas a de sua democrática exposição.

Nos anos 80, anos de meus 20 anos, talvez não fosse maior o recato entre amigas. É provável, no entanto, que a confidência ficasse restrita ao círculo da amizade de fé.

O fato é que a exposição da própria intimidade não pode ser analisada como pouco tempo atrás o foi, como uma anomalia do espetáculo a intrometer-se em nosso cotidiano.

Ela já parece habitar a paisagem interna do brasileiro médio. É realidade que não mais nos estranha.

Queime-se o moralista que condena o reality show do momento. A tranquilidade na própria exposição mostra uma mudança de conduta pública que não me parece acidental e passageira.

Big Brother Brasil aumentou sua premiação para R$ 10 milhões. A Nextell, por sua vez, comemora os 700 mil novos usuários desde 2005 – a maioria no mercado corporativo – de seu telefone com tecnologia push-to-talk (PTT, ligação direta via rádio).

A exposição da intimidade deixou de ser variável cultural para ter viabilidade comercial.

Quem sabe virou componente de civilização.

Um comentário:

  1. Uma análise dos nossos tempos bastante oportuna e que põe por terra a ideia do "grande irmão" como manipulador e observador da multidão e coloca em xeque a ideia de que também gostamos de revelar nossa intimidade banal e corriqueira. É o mercado que cria as necessidades ou o mercado as identifica na sociedade de consumo?
    Belo texto, Luiz. Parabéns!

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