sexta-feira, 19 de junho de 2009

A linguística de Patinhas

O filósofo Jean Lauand colecionou as (cinco) versões brasileiras da mesma história de Tio Patinhas. Tio Patinhas e os Índios Nanicós (EUA, 1956), de Carl Barks, circulou no Brasil em abril de 1958, 67, 82, 88 e dezembro de 2004.

Cada edição mostra o esforço da indústria de sintonizar a linguagem mirim do momento. Flagra-se, com isso, o domínio de linguagem que cada época (e seus adultos) atribui à garotada.

Compare as duas versões (67 e 2004) da mesma prancha (clique para aumentá-las), uma das 27 páginas da história de 208 quadros. Para fugir da poluição de Patópolis, Patinhas compra terras nos Grandes Lagos no Norte. Mas, com Donald e sobrinhos, descobre que os pigmeus-título já são os donos do lugar.

Entre 58 e 2004, cai a presença dos pronomes oblíquos. Donald diz “Peguei-o em flagrante” (1958); “Peguei você em flagrante” (2004). E o futuro simples (ficaremos) de 58 vira forma composta (vamos ficar) depois.
Há mudanças que sugerem vigências sociais de época. Em 58, Huguinho, Zezinho e Luizinho chamam Donald de “senhor”; em 2004, de “você”.

Mudanças conceituais no léxico revelam convivência com ideias de cada geração. Já no primeiro quadro, só a partir de 1982 surge a palavra “poluição” numa fala de Patinhas. Em 58 e 67 era "neblina”. Nesse quadro há uma fórmula hoje não usual: "ir ter”, em 58 e 67: “Tio Patinhas vai ter às terras do Norte”, substituída por “vai às terras do Norte” em 82 e 88.

A tendência do léxico das edições antigas era a de palavras mais cultas. Comparando 58 a 2004: “Ademais” x “Além disso”; “ambrosia” x “perfume”; “Que pretende caçar?” x “O que vai caçar?”; "Acampam num aprazível banco de areia" x "Acampam numa barra arenosa".

Há diferença de repertório literário. Os nanicós falam por versos (A Canção de Hiawatha, de Henry Wadsworth Longfellow). As edições pré-2004 a trocam pela Canção do Tamoio, de Gonçalves Dias. Já 2004 opta pelo obscuro e servil decalque.

Suspeita-se que não é o nível da criançada que declinou em cinco décadas. Mas o da indústria cultural que a abastece.

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