quarta-feira, 20 de maio de 2009

Telefone sem fio

Cuidado com as citações. François-Marie Arouet de Voltaire (1694-1778), por exemplo, jamais escreveu a frase lapidar:
Não concordo com o que você diz, mas defenderei até à morte seu direito de dizê-lo.
Elogio do estatuto democrático e da liberdade de expressão, a frase é invenção da inglesa Evellyn Beatrice Hall (pseudônimo: S. G. Tallentyre, 1868-1919), biógrafa de Voltaire. Está em The Friends of Voltaire (1906) e se referia à idéia que a figura dele expressava. Em Lendas, Mitos e Mentiras (Ediouro, 2005), Richard Shenkman relata o caso, que não é isolado:

E, contudo, ela se move!
A frase é improvável num julgamento linha-dura como o que passou Galileu Galilei (1564-1642) por defender conceitos como o de que a Terra girava em volta do Sol, em Diálogos. Nem interessa que a frase tenha sido dita, mesmo baixinho, posto que ninguém a ouviu, mas o mito se espalhou entre seguidores de Galileu, o que o poupou da inglória fama de covarde ante os inquisidores, em 22 de junho de 1633.

Sangue, suor e lágrimas.
Em discurso de 13 de maio de 1940, Winston Churchill (1864-1965) anunciava que os anos seguintes seriam de “privações, sangue, suor e lágrimas”. Mas ele tirou a frase de Byron, que por sua vez a teria tirado de John Donne.

Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
A carta-testamento de Getúlio Vargas é de José Soares Maciel Filho, presidente do BNDE (1951 e 54) e da Sumoc (atual Banco Central). Vargas encomendara o texto para sua renúncia, adaptou a redação e a assinou em 24 de agosto de 1954.

Tudo o que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda
A frase virou música-título de Roberto e Erasmo Carlos em 1976, mas é do crítico americano Alexander Woollcott (1887-1943).

Um burro diante de dois fardos de feno é incapaz de comer.
A expressão "asno de Buridan", famosa na Idade Média para descrever a indecisão, era atribuída ao filósofo João Buridan desde 1340, mas ele não a cunhou.

Os entes não devem ser multiplicados além da necessidade.
O filósofo inglês Guilherme de Ockham (1280-1349) é muito lembrado por essa "Navalha de Ockham", que ele jamais enunciou.

O Brasil não é um país sério
Barcos franceses invadiram águas territoriais do Brasil à caça de lagostas em 1960. O episódio parou no gabinete de Charles de Gaulle, presidente francês, que prontamente convocou o diplomata Carlos Alves de Souza. Em Um Embaixador em tempos de crise (Francisco Alves, 1979), Souza lembra que, mais tarde, resumira a conversa com de Gaule a um repórter: “Pois é, Le Brésil n´est pas um pays sérieux”. O despacho telegráfico do repórter não atribuíra com clareza a autoria.

James Amado dizia que pouco importava se os poemas atribuídos a Gregório de Matos e Guerra (1636-1695) são de fato dele, mas que o século 16 chegou até nós por uma “poesia chamada Gregório de Matos”. É outra maneira de dizer que as palavras têm um efeito maior que os homens que as pronunciam.

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