segunda-feira, 16 de março de 2009

Criatividade de Chaplin

Enfrentar um obstáculo concreto é o único meio de inventar soluções de texto, já dizia Bergson. Escrevendo uma reportagem de capa sobre criatividade para a revista Língua, lembrei de um documentário em três partes sobre Charles Chaplin (Chaplin Desconhecido), que tinha em casa ainda em formato VHS.
Eis o texto para uma retranca à reportagem principal:

O DILEMA DE CHAPLIN

O cinema falado reduzira a pó a produção de fitas mudas há menos de três anos, mas Charles Chaplin insistia que, se Carlitos ganhasse voz, perderia o encanto que o consagrou. Mas como mostrar, em Luzes da Cidade (City Lights, 1931), sem diálogos e som, que uma cega confunde um mendigo com um milionário?

O comediante era perfeccionista, mas gostava de improvisar. Era famoso por começar filmagens sem roteiro prévio, inspirando-se nos ensaios, que sempre eram filmados. Mas a cena o bloqueara.

Em 534 dias de filmagem, 368 deles foram de set parado, sem progresso, por causa do impasse da cena. Chaplin torraria, em um ano e meio, 118.904 metros de negativo, em 4.337 tomadas.

Na história, o vagabundo se apaixona pela florista cega (Virginia Cherill), que o confunde com um ricaço. Ele não a desencoraja. Perseguido pela polícia, consegue dinheiro para a cirurgia que devolve a visão à moça, mas é preso por causa disso. Anos depois, eles se reencontram e ela descobre que seu benfeitor era, na verdade, um mendigo.

A solução veio em 15 de setembro de 1930:

Em plena Depressão, o vagabundo atravessa a rua, vê um policial e refugia-se num automóvel, para não ser visto. Ao sair pelo outro lado, nota, na calçada, a florista. Ela escuta o barulho e oferece uma rosa. Ele não percebe que é cega. Procura no bolso e entrega sua única moeda, esperando o troco. A moeda cai, a moça tateia no chão, Carlitos nota sua cegueira e se enternece.
O plano da câmera se abre, vemos sair de trás de Carlitos um milionário que bate a porta do automóvel, com força, ao entrar. Com a mão estendida, ela agradece a gorjeta, feito que, para uma vendedora de rua, só um homem rico, dono do carro, poderia realizar. Carlitos sai de mansinho.

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