sexta-feira, 17 de abril de 2009

O pum da vaca

A TV Minuto, do metrô de São Paulo, retomou ontem a notícia:

SETOR LEITEIRO DOS EUA COMBATE
EMISSÃO DE GÁS ESTUFA DAS VACAS

Tucanaram o pum da vaca, pensei, e o tema seria pretexto para discutir o uso viciado dos eufemismos, não fosse sinal de uma síndrome de linguagem maior: a superstição de estilo.

A expressão é de Jorge Luis Borges. Traduz a crença de que toda concisão é sempre uma virtude, ao que se toma por conciso “quem se demora em dez frases breves e não quem maneje bem uma frase longa”, escreveu ele em Discussão (Bertrand Brasil, 1994: 15). É ter em vista “não a eficácia de uma página, mas as habilidades aparentes do escritor”.

A agricultura responde por 14% dos gases estufas do planeta. 1,5 bilhão de ruminantes emite uma dúzia de poluentes (muito metano, 2/3 da amônia no ar, etc.) ao arrotar e soltar pum. Cada vaca emite a mesma quantidade/dia de poluição de um carro.

A TV do metrô resumiu a coisa toda a duas linhas. Direito dela. A situação comunicativa impunha, claro, economia narrativa: mensagens curtas, para monitor, 2 linhas + foto, exibidas a tempo da leitura de um público que pode saltar do vagão a qualquer hora. O tema talvez não se prestasse, sem humor involuntário, a tal tipo de síntese. Mas o fato é que o caso sinaliza a superstição de estilo que tem virado a tônica da comunicação urbana.

A verbalização famélica de um simulacro de objetividade, esse laconismo que é outro modo de ser da inconsistência, talvez seja o efeito colateral comunicativo da era informática. O internetês (escrever “kbça” em vez de “cabeça”) pode ser só a faceta caricata de um fenômeno pouco visível antes da chegada de e-mails, PowerPoints, blogs (olha eu cuspindo no prato) e redes sociais. É notável que a nova febre seja o Twitter, serviço de papos em rede que limita cada texto a 140 caracteres. Eram 475 mil usuários em 2006. Viraram 7 milhões.

Mais virá, depois.

4 comentários:

  1. Caro Luiz,

    e seu texto continua uma beleza.

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  2. Oi

    cheguei aqui pela indicação da Andarilha. E concordo com o comentário dela. Textos muito bons nesse blog.

    um abraço

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  3. alex sander alcântara23 de abril de 2009 às 15:46

    Caro luiz,
    acompanho este blog desde o lançamento e o consulto frequentemente [pena que a postagem não seja diária]. E confesso que [assim como a revista língua que leio mensalmente]não conheço outros blogs que se proponham a falar de língua e comunicação com tamanha clareza, elegância e erudição. parabéns!

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  4. Caro Luiz, gostei do texto. Você continua escrevendo com elegancia.
    Um abraço Rosana Machin

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